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Vidas



Há vidas tão parecidas, quantas vezes me fizeste lembrar a minha! Só, mas não perdido, vivi esperando ser amado, admirado, confiando encontrar os meus procriadores, que tive anos a meu lado, sem os sentir. Quando a desigualdade, no trato da criação, é tão notória a dúvida invade-nos. Será que, apesar de ter brotado da mesma árvore, aparentemente, houve enxerto? Porque será que, só para mim, eras sombria? Para o outro lado reflectias a luz. Tinha as raízes bem fundas, daí ter conseguido, sempre, manter-me erguido apesar das machadadas penetrantes. Com alguma dificuldade, confesso, consegui ir arrancando o machado. As cicatrizes perduram, ténues mas subsistem.
Quantas vezes me deparei num cruzamento, sem saber qual a via que me levaria à posteridade idealizada? Como se não bastasse ainda me embutias o abismo, não me deixavas pensar com aquele burburinho ensurdecedoramente crítico. Parece até que te doía veres-me singrar. Devaneava pensando que sendo um ramo teu te orgulhavas de mim, da minha beleza original e pura, sem artifícios nem podas. Estava enganado. Rezavas para que um raio me partisse para me poderes, a seguir, abalar de reprimendas. Porquê, em vez disso, não optaste nunca por me guiares e escutares? Era o vento público que te deixava surda? Bastava que te centrasses em mim, estava mesmo a teu lado e era um dos teus ramos.
Há tantos anos que existia e ainda não me conhecias, ou será que não o pretendias fazer? Mesmo que fosse fruto de um enxerto, a dúvida permanecerá, agora era teu. Lutava contra o frio, o vento, a chuva e a neve, só. Era bem mais franzino que tu mas, muito mais sólido. Era a minha robustez, a minha resistência, perseverança e tenacidade que exacerbavam e impulsionavam o teu desejo de aniquilação contra mim?
Um dia quase conseguiste, foi aquele em que me roubaste o meu pomo, a única pigmentação que ainda possuía. Caí, andei perdido entre intempéries e vendavais. Não sabia como voltar ao cocuruto. No solo não podia residir muito tempo, apodreceria. Gritaste-me, vezes sem conta, para ali permanecer, nunca dobraste um dos teus ramos para me erguer. Tentei arrastar-me até ti, na esperança que me escorarias mas, em vão.
Com as folhas já amarelecidas fiz um esforço e consegui. Foi, sem dúvida, a experiência adquirida com as tuas estocadas que me ergueu. Por esta não esperavas tu.
Hoje vivo numa campina onde brilha o sol de segundo a segundo, sem obstáculos que o ofusquem, sem tormentas, rebuliços nem algazarras. Espero, ainda, que o produto perdido volte, que valorize a seiva que lhe forneci ao longo de anos mas, nada me impede de ser feliz. Sabes porquê? Deixei de perder energias contigo, concentrei-as em mim, ouço apenas a minha voz confiante e ignoro-te. Vivo e não vegeto, como tu.

Brown Eyes

Comentários

Pi disse…
Belissimo texto Mary Brown!

E infelizmente há muita gente nesta vida que mais vegeta, do que vive, iluminados os que escolhem viver.

Noto aí uma relação dificil com os progenitores, mãe diria, não sei se é auto-biográfico o texto, a nota no cabeçalho do titulo do blog, alerta para q ao ler não vejamos as experiencias vividas por ti...portanto a duvida permanece..

Beijinho
Cu de Barbas disse…
belas metaforas,belo texto

ms eu ca sou a favor da poda (h)

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