O Quick, um Trotter Francês, elegante, inteligente, ilustre, tímido e meiguinho, está connosco desde Junho. Quando chegou era muito nervoso e desconfiado. Viveu durante anos com o amigo Boneco num lameiro onde poucas vezes conviviam com seres humanos. O Boneco, um traçado Lusitano, era o dominador, a tal ponto que na hora da refeição o Quick ficava nervoso e não comia sossegado. Batia vezes sem conta com a pata e quando dava conta tinha o Boneco a devorar a sua refeição. Eram inseparáveis mas, por incrível que pareça, era o Boneco que ficava mais agitado quando o separávamos do companheiro. À noite cada um vai para a sua box. A pouco e pouco estão a conseguir ser autónomos. Quando chega a noite já se dirigem para os seus aposentos, sem dramas.
O Quick está cada vez mais calmo, mais meigo, mais auto-confiante e o Boneco, que sempre foi um bajulador, está a tornar-se naturalmente afável. Estão mais confiantes, sabem que o tratamento ali é, diariamente, afectuoso e tem como base o seu bem-estar. Só vão para a box para dormir, durante o dia é no lameiro que eles esbanjam energias e se alimentam.
No entanto, não se consegue, de um dia para o outro, destruir o que foram acumulando durante anos. Os cavalos são animais que se assustam facilmente, que precisam de viver num meio que lhes inspire confiança, onde não haja nada que os possa assustar. Ficam nervosos e atemorizados com facilidade o que pode leva-los à morte.
No fim-de-semana passado o Quick entrou na box e enrolou a pata na corda que o prendia. Estão presos na box, apenas lá, para manterem o lugar onde se deitam limpos Ao enrolar-se ficou aterrado, começou a coicear tudo o que aparecia ao ponto de deitar a baixo o bebedouro, a água começou a esguichar por tudo que era canto (odeiam o som da água com pressão) e ele ia batendo com o corpo nas paredes, ferindo-se. Quando entrámos na box estava ele ajoelhado, tendo apenas uns dez centímetros de corda do pescoço à pata, a bufar (é o que fazem quando estão receosos e nervosos). Houve primeiro que o acalmar, tirar-lhe a corda e mima-lo até que conseguimos que o ritmo cardíaco dele normalizasse. Notava-se nos olhinhos dele o agradecimento. Poderia ter morrido de ataque cardíaco ou partido a pata, tudo porque não teve calma e ao ver-se preso, sem espaço de manobra, ficou assustado, entrou em pânico e aí sim, ia pondo tudo a perder, até a vida.
Ali todos os seres vivos são tratados como tal e as nossas preocupações existem consoante as suas características. Vamos aprendendo, diariamente, a lidar com eles e a permitir que os seus dias sejam o mais perfeitos possível, que eles não só vivam felizes como, também, se sintam seguros para poderem criar auto-confiança. Estando confiantes os problemas serão minúsculos ou nem surgirão.
Observando os animais podemos tirar noções básicas para nossa orientação. Não há dúvida que o ambiente em que estamos inseridos, as pessoas que nos rodeiam podem interferir no nosso nível de vida, podem fazer de nós pessoas decididas, ou não, pessoas seguras, ou não, pessoas calmas, ou não, pessoas confiantes, ou não. Ninguém consegue viver feliz num mundo que o comprime, o encerra, o ameaça, o aprisiona, o priva de poder dar largas ao seu eu, de poder errar para encontrar o seu caminho, que não o mima e não o ama.
O Quick tem quem o esteja a ensinar a criar confiança, quem lhe infiltre a necessidade de ser mais firme e calmo mas, quantas pessoas há que vivem abandonadas no meio da multidão, espezinhadas pelo poder, anuladas pela inveja e pelo interesse de uma sociedade capitalista, que esqueceu o lado humano da vida?
Ele perderá todos os medos que foram crescendo na sua solidão porque, enquanto vivermos, ele viverá acompanhado, ter-nos-á a seu lado, para o ajudarmos a trotar pela vida, livre e serenamente.
Brown Eyes
Comentários
Na verdade, tudo depende não apenas de nós, mas também de quem nos rodeia e incute a confiança necessária para ultrapassarmos os obstáculos.
e ter alguém assim
a cuidar de mim
Vê-se a bondade das pessoas, pela maneira com tratam os animais e todos os seres indefesos.
Esta tua incrível experiência está a compensar a desilusão que recebes de algumas pessoas.
Os animais, quando são amados, dão-nos muito mais do que recebem, uma gratidão incondicional e a certeza que nunca nos desiludirão.
Beijinhos
Esta história, aparentemente sem muito sumo, acaba por revelar-se um exemplo magnífico de como os animais sentem as coisas, das suas características especiais, e acima de tudo, da forma como nós, humanos, os devemos compreender e ajudar.
Que bela lição, primeiro da vivência dos dois cavalos, e depois do acontecimento com o Quick.
Gostei muito do que escreveu sobre
eles e ainda bem que nada lhe
sucedeu.
Tiveram muita sorte de vos ter
como donos.
Beijinhos
Irene
Bjnhs